quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Brinquedo dos ventos


Sinto as macumbas do querer escrever descendo
mexendo
dançando
cantando

domina completamente meu ser
fico absolutamente livre
e vai descendo
subindo de lugares secretos de minhas vidas e mundos

entrego-me
feito leito de rio correnteza abaixo
nuvens como brinquedo dos ventos
Encânticos pelas matas e mares

não sou mais eu
não há mais eu
só vendaval na mansidão inspiradora

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

cores


as cores lá fora vão reinventando tonalidades

os amarelos das flores sorriem

os verdes das folhas brincam com seus tons

e você, pertinho,

e no além mar

domingo, 2 de agosto de 2009

Vocação para a vida


Hoje começa o mês de agosto, mês das vocações.
A primeira vocação é a vocação da vida, na vida, pela vida.
Viver, viver bem
Viver com qualidade de vida é nossa primeira vocação.

Quero apresentar a Patrícia
Uma jovem que a cerca de dois meses sofreu um grave acidente de moto
Quebrou o fêmur e dois dedos da mão.
Visitei a Patrícia em sua casa uns quinze dias depois.
Fui lá olhar e ouvir.
O que vi e ouvi foi um extraordinário exemplo de vocação para a vida.
Eu passei a visitá-la cada dia – dos meus dias que passava em Quixeramobim.

Em todas as minhas visitas a Patrícia
Não me recordo de tê-la visto ou escutado reclamar da vida,
Queixar-se de está deitada na cama, por exemplo .
Antes do acidente ela levava uma vida solta e livre
Feito vento que não suporta muros ou espaços fechados,
Tanta vida que não cabia dentro dos limites tidos como ‘normais’ da sociedade.

Pois bem,
Eu nunca vi ali naquela jovem reclamação, tristeza, amargura.
Impressionante!
Eu, às vezes, perguntava: “você está bem?”
“Sim, padre, estou.” Respondia.
Eu, burro, perguntei, certa vez, se não era ruim ficar ali deitada na cama.
Ela respondeu sem reclamar.

Eu acredito na presença e anúncio de Deus no testemunho da Patrícia.
Eu ia lá, diariamente, olhar e ouvir um exemplo estupendo de vocação para a vida.

Ontem Patrícia retirou os pontos da cirurgia dos dois dedos.
Seis horas de espera no hospital público.
A radiografia da cocha apresenta um problema. O médico anuncia que o processo de cicatrização do osso apresenta dificuldade e talvez seja preciso uma outra cirurgia com enxerto – contou-me sua mãe.
Não vi nem ouvi reclamação da Patrícia. Ela estava mais preocupada com uma outra jovem e mãe acompanhada de um filho doente e já medicado, que precisavam de uma condução para chegar a sua residência.
Fomos até o bairro Sabonete levar aquela mãe, lugar bastante afastado do centro da cidade.
Feito isso, convidei Patrícia para conhecer a ‘Casinha’ (Comunidade Mariana Boa Semente).

Vocação pela vida,
Essa é nossa primeira vocação.
A segunda vocação é a gente saber olhar e ouvir Cristo presente no cotidiano de nossa vida.
Ver Cristo ao nosso lado, a nossa frente, ao nosso redor, cada hora, cada instante!
Apenas isso!

Estamos aqui nesta bonita manhã onde jovens de várias cidades cearenses estão brincando de discernir suas vocações.

Aprendam a arte de viver e de saber enfrentar o sofrimento, de superar limites, como ensina, sem falar nada, a jovem Patrícia.
Aprendam e aperfeiçoem a arte do olhar e do ouvir.

O evangelho de hoje (Mateus 14, 1-12) descreve um banquete: o banquete da morte!. Trata-se da vocação para a morte. Eu prefiro chamar de des-vocação, pois vocação é sempre para a vida.
Se a gente tiver o cuidado de ler os versículos seguintes, Mateus apresenta o banquete da vida: a repartição dos pães.

O mundo apresenta duas possibilidades de banquetes: da vida e da morte.
Banquete da morte quando abusamos da comida, da bebida, dos amigos, da família, da vida. É a des-vocação.
Banquete da vida quando enfrentamos com esperança as tribulações, repartimos alegria e sonhos na arte sábia do olhar e do ouvir Deus nos mundos.

Homilia por ocasião do Despertar Vocacional da Comunidade Mariana Boa Semente
Quixeramobim, 01.agosto.2009

Alexandre Fonseca





sábado, 27 de junho de 2009

Dom Aloísio Lorscheider e a luta dos povos indígenas


Deixamos de ter medo e começa­mos o movimento” afirma, com entusiasmo, a liderança Ivonil­de Tapeba, a respeito do papel de Dom Aloísio Lorscheider na luta pelo reconhecimento territorial e étnico do povo Tapeba, que desencadeou o movimento indígena no Ceará. Hoje, há 16 povos no estado: Anacé, Tapeba, Pitaguary, Kanindé, Jenipapo-Kanindé, Paupina, Tremembé, Potiguara, Taba­jara, Guarani, Kalabaça, Tupinambé, Kariri, Jucá, Kapuxu e Gavião.

De 1973 a 1995, Dom Aloísio foi Arcebispo de Fortaleza. Em 1982, Dom Aloísio Lorscheider encarregou José Cordeiro, coordenador da Pastoral Rural da Arquidiocese de Fortaleza, de visitar os Tapeba da Aldeia da Ponte, em Caucaia. Três meses depois do primeiro contato Dom Aloísio visitou a área. O medo foi sendo vencido e lideranças começaram a brotar para assumirem os desafios da luta indígena: “Raimunda Rodrigues, da Ponte; Bastião André, do Açude; seo Fernando, Chico Bento e a Virgem (Maria Teixeira) da Capoeira; Cláudio, Ivonilde e dona Zuila, do Trilho; seo Severino, seo Rodrigues e Iracema, da Lagoa” cita Ivonilde alguns dos primeiros nomes que começaram a luta . “Demos início à luta pela terra. Muitas reuniões na Igreja da Sé. Ia um caminhão pau de arara cheio de índio. Lá a gente se reunia o dia inteiro”.

Nasceu assim, a Pastoral Indigenista da Arquidiocese de Fortaleza, que nos anos seguintes participa do processo de luta de outros povos: Jenipapo kanindé, Potiguara e kanindé de Aratuba. Apoia­ram também o povo Tremembé.

A imensa contribuição de Dom Aloí­sio à luta dos povos indígenas do Ceará foi dar visibilidade ao movimento indí­gena. O protagonismo do processo de organização e mobilização dos povos indígenas era dos próprios povos indí­genas. O Cardeal usava sua influência na sociedade cearense e brasileira para que os indígenas aparecessem. Isto os motivava para que rompessem o medo de assumir e viver suas culturas e de recuperar seus territórios.

Mesmo depois de sair da Arquidio­cese de Fortaleza, Dom Aloísio conti­nuou apoiando os povos indígenas do Ceará. Em junho de 2004 ele esteve na aldeia de Bolsas, do Povo Anacé, que iniciava seu processo de luta territorial e reconhecimento étnico. Na ocasião Dom Aloísio declarou: “Vocês estão no caminho certo. É preciso se unirem, se organizarem para a defesa dos seus direitos. Eu lamento não ser mais o ar­cebispo de Fortaleza para ajudar vocês, mas procurem o arcebispo, procurem a Arquidiocese de Fortaleza, o Centro de Defesa dos Direitos Humanos e não tenham medo. Continuem bem unidos e fiquem firmes, essa terra é de vocês!”

Dom Aloísio foi presidente da Con­ferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) entre 1971 e 1979. Em 1976 foi eleito Cardeal e, entre 76 e 79 foi pre­sidente do Conselho Episcopal Latino Americano (Celam). Ele faleceu em 23 de dezembro de 2007, aos 84 anos de vida.

Alexandre Fonseca
Jornal Porantim, Nº 302, jan-fev/2008, p. 15.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Transposição: Rio São Francisco na mira dos empresários



Debaixo do sol forte, olhando as águas do rio São Francisco, seu Antônio Chico de 79 anos, liderança religiosa do povo Truká de Cabrobó, em Pernambuco, inspirado pelos “encantados”, começou a cantar:

“Nós não aceita, não. Nós não aceita. Os empresários acabar com o São Francisco. O São Francisco é obra da natureza. O São Francisco é o pai dos ribeirinhos. Os empresário têm olho grande de verdade. Os empresário têm ganância pra valer”

Depois de compor em verso, seu Antônio Chico ensaia em prosa:

“E cadê o Ibama? Tá com a boca na sacola. Quando um pobre vai pegar um pau de lenha pra mode se alimentar, sobreviver, o Ibama cai em cima com processo e mete o pobre na cadeia. Quando os empresários querem destruir a natureza de Pernambuco, Alagoas, o Ibama tá com a boca na sacola, não tá dando fé, quer dizer: os empresários prendem o Ibama. Só isso”.

As palavras de seu Antônio Chico traduzem o pensamento das comunidades indígenas e camponesas que habitam a região afetada pelo projeto da transposição.

Um grande negócio

A transposição do rio São Francisco é apenas um dos tentáculos de um grande negócio que começa a ser implementado em todo o Nordeste brasileiro. Trata-se de uma obra de infra-estrutura para acolher empresas privadas de capital internacional que estão vindo se instalar nesta rica e linda região.

O negócio prevê dois tipos de ocupação e utilização do território nordestino. Na costa litorânea, está focado na exploração do turismo com instalações de redes de hotéis e resorts. Através de recursos do Banco Mundial, Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento (Bird) e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), os governos estão investindo em obras de infra-estrutura para a costa nordestina.

Um desses investimentos é a construção da estrada litorânea que começa no sul da Bahia (Linha Verde) e se estende até os lençóis maranhenses. A modernização dos aeroportos constitui outro fator, assim como a urbanização de centenas de quilômetros da costa, atingindo populações tradicionais e povos indígenas, no caso do Ceará, os povos Anacé e Tremembé.
Já no sertão nordestino, a transposição visa beneficiar grandes empreendimentos voltados à produção de aço, grãos, frutos tropicais e flores para exportação. As obras de infra-estrutura que darão suporte a estes negócios incluem a construção de dois portos - de Suape, em Pernambuco, e do Pecém, no Ceará - que já se encontram em funcionamento. Também faz parte desse projeto a construção da ferrovia transnordestina, que irá interligar sete estados do Nordeste e transportará os minérios de Carajás, no Pará, que chegam ao Maranhão até o porto do Pecém (Ce). A ferrovia dará acesso às futuras bases de produção agrícola do sertão, facilitando o escoamento dos grãos e demais produtos.

Para fornecer a energia necessária ao funcionamento dos grandes empreendimentos, serão instaladas dezenas de usinas termoelétricas, redes de gasodutos, barragens, hidrelétricas e redes de retransmissão de energia elétrica. Já a água para todo este empreendimento virá da transposição do rio São Francisco.

Luta dos povos tradicionais

A luta contra a transposição do rio São Francisco deve ser compreendia dentro da grande luta contra os mercadores mercenários que vêm saqueando nossos povos e nossas riquezas desde o século 16. Esta obra de infra-estrutura atinge os povos indígenas do começo ao fim. Começa em dois territórios indígenas: o dos Truká, em Pernambuco, e dos Tumbalalá, na Bahia. Na extremidade final, atinge o povo Anacé, no Ceará.

Centenas de Anacé foram expulsos de seu território e relocados em três assentamentos. Parte de suas terras foi invadida por canais de transmissão que destinarão a água do São Francisco – por meio da transposição - para a produção de aço na siderúrgica do Pecém, ainda não instalada.

Impedir a transposição do rio São Francisco é uma ação urgente e necessária à sobrevivência dos povos tradicionais. Porém, não pode ser entendida como um instrumento suficientemente eficaz para impedir esta invasão colonial moderna. Tem que ser compreendida como parte de um esquema ainda maior.
A vitória contra a transposição será um grande passo para os povos que lutam por uma terra livre.

22 povos indígenas serão atingidos pela transposição

Pernambuco - Truká, Pipipã, Kambiwá, Pankará, Pankararu

Bahia - Tumbalalá, Kanturaré, Tuxá de Rodelas, Tuxá de Ibotirama, Pankararé, Kiriri, Kaimbé, Xukuru-Kariri de Nova Glória,

Minas Gerais - Xakriabá

Sergipe - Xocó

Alagoas - Karuazu, Koiupanká, Kalankó, Katokim, Geripankó, Kariri-Xocó

Ceará - Anacé
Ceará

Alexandre Fonseca
10.janeiro.08

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Aluísio Matias: história forjada com sofrimento e poesia

Cordões com bandeirinhas sendo colocados na garagem da casa. Alegria nos olhos que vem do coração. Prepara-se o local como quem prepara um altar.

Neste fim de tarde ele não vestirá a camisa na última hora aos apelos do “Tá na hora! Tamos atrasados!”. Não . Desta vez ele aprontou-se duas horas antes. Alheio ao que se passava na garagem, senta-se, vestido de branco, na varanda. Espera os quem vem para a festa. Festa com missa e tudo. Festa modesta, como a missa, aos modos como ele modelou esses oitenta e cinco anos. Modesto e teimoso. Fazedor de história forjada com sofrimento e poesia.

Ali sentado, mergulhado dentro de si, enquanto conversas e risos passeavam pela arrumação do local da festa. Poucos conseguem alcançar a maioridade com tamanha lucidez e presteza. Maior seria a palavra mais adequada para quem testemunha-se em tantas histórias. Se criança é menor porque idoso não é maior? É maior sim. Maior sobretudo em sabedoria, sabedoria esta própria de quem é agraciado por Deus para viver longamente. Maior em experiência e em des-experiências.

Foi de maior que ele explodiu-se poeta. Poesias maduras na adolescência dos primeiros versos.

A festa já acontece. Começa deste quando se pensa em festejar. É como a poesia, existe mesmo antes da gente dizê-la.

Feliz aniversário, meu pai

Alexandre Fonseca

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Teimoso e fixo no sempre sair

vou entregue ao nada e ao tudo
vou livre sem absoluta expectativa planejada
vou feito 'tabula rasa'
absolutamente entregue
uma viagem atordoada e tranquila
espera no saguão do aeroporto
espera tranquila
não sei se confiante, mas não temerosa
espera
espera entregue ao que pode vir
acredita que vi o avião sair de Salvador, dando macha-ré e cochilei e acordei ele plainando sobre um lindíssimo mar? Não vi zoada ou ouvi friozinho na
barriga
nada
simplemente voei

Assim vou a este tempo gaucho
desexpectativado

alisar à contra pêlo tem sido o que sou
às vezes me vem objeções internas propondo o verbo 'se': "Se você tivesse feito
assim..." E vem um monte de 'se' e monta-se um mundo de como seria 'se'. Risos. Depois de algum tempo desmorona-se os mundos dos 'se' e passo a besteirar e mangar
mango de mim
mango dos mundos
mango dos 'se'
mango da vida
mango da morte
mango da sorte
corro livre e preso a minha sina
sina da liberdade
sina do amor
enquadrado na estrutura de modo completamente desenquadrado
sou e não sou
chove e faz sol
vou brincar de bíblia nas tradições luteranas
vou abandonado
vou abandonando
entregue
na contra mão
remando no contra pêlo
se isso é inteligência
nasci nela
me entendi de gente nela
Penso em tirar a barba
chegar outro noutro lugar
experimentar-me diferente
risos
Alguém me viu de sapatos e ficou encantadoramente surpreso: 'seria possível?'
Pensou. Mas não tenho problemas em sapatos, muito menos com
chinelas para promover surpresas no desuso
Sou preso ao nada
sou livre ao tudo
amar você na liberdade dos caminhos, único caminho
Vou assim
sobre as águas condensadas das nuvens
mexer na bíblia
noutra feitura de olhar e crer
Vou no absoluta e no (o que é mesmo o contrário de absoluto?)
Vou
Ficar seria ferir o meu ser teimoso e fixo no sair sempre
Alexandre Fonseca
03/jan/09, sobre as nuvens para o Rio Grande